Ao contrário da Lava-Jato e de outras investigações, medida ocorre em momento de mobilização de parlamentares contra STF
A suspensão da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), determinada na quarta-feira pela Câmara, foi a primeira desse tipo. Apesar de estar previsto na Constituição, o mecanismo nunca tinha sido usado antes para paralisar um processo contra um deputado federal. A medida ocorre em um momento de mobilização de parlamentares, especialmente da oposição, contra o que consideram abusos do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ineditismo foi confirmado ao GLOBO pela assessoria de imprensa da Câmara. “Esta foi a primeira vez, em nível federal, em que houve uma sustação de ação penal por parte da Câmara dos Deputados“, informou o órgão.
Até agora, os deputados não haviam nem mesmo tentado uma medida desse tipo. De acordo com os registros da Câmara, foi a primeira vez que esse tipo de proposição, a Sustação de Andamento de Ação Penal (SAP) foi apresentada.
A Constituição determina que, caso uma denúncia contra um deputado ou senador “por crime ocorrido após a diplomação” seja recebida pelo STF, a respectiva Casa pode optar por “sustar o andamento da ação”. Nos últimos anos, diversos deputados foram investigados e até mesmo condenados pelo STF. Entretanto, não havia um clima político para rever essas apurações, principalmente durante o auge da Operação Lava-Jato.
A Constituição também determina que, em caso de prisão de um parlamentar, que só pode ocorrer em flagrante, a Câmara ou o Senado precisa confirmar a decisão. No ano passado, por exemplo, os deputados mantiveram a prisão de Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ), suspeito de mandar a vereadora Marielle Franco (PSOL).
Decisões do STF diferentes da prisão, no entanto, já foram revistas no Congresso. Em 2017, o Senado derrubou o afastamento do mandato do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), hoje deputado federal, que havia sido imposto pela Corte.
Nos últimos anos, parte dos deputados, principalmente aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem realizado um enfrentamento com o STF. No ano passado, por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou em um mesmo dia um “pacote” de proposta que atingiriam a Corte.
Foram aprovados um projeto que limita decisões individuais de ministros do STF, um texto que dá poder ao Congresso para derrubar decisões da Corte que “extrapolem os limites constitucionais” e uma proposta que cria mais cinco crimes de responsabilidades para os ministros do tribunal e que dá prazo de 15 dias para a Mesa do Senado responder aos pedidos de impeachment. Esses projetos, contudo, não tiveram andamento.
Apesar da decisão de quarta-feira da Câmara, ministros do STF consideram que a suspensão não vale para todos os crimes dos quais Ramagem é acusado, e nem para os outros réus do caso, incluindo Bolsonaro.
No mês passado, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, encaminhou um ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para informar que não era possível que a ação penal contra Ramagem fosse integralmente trancada. No documento, explicou que o processo só poderia ser suspenso em relação a ele e especificamente quanto aos crimes que foram praticados após a diplomação como deputado.
Na mesma linha, ministros do STF ouvidos pelos GLOBO veem como inviável o trancamento de todo o processo e qualquer brecha para os demais acusados além de Ramagem. O benefício dado pela Câmara englobaria apenas crimes praticados no 8 de Janeiro, casos de deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União.
Além desses crimes, Ramagem também foi denunciado por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e envolvimento em organização criminosa armada. Na interpretação dos ministros, essas imputações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) são anteriores à diplomação.
Nesta quinta, após ser comunicado da decisão, o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, determinou que cabe a Zanin analisar o caso.
Por: Daniel Gullino — oglobo.globo.com – Brasília