Técnico assume equipe após a demissão de Tite
O torcedor do Flamengo sempre soube que este dia iria chegar. Só não imaginava que seria já em 2024, menos de um ano após sua aposentadoria e em substituição a uma das principais apostas do clube nos últimos anos.
Cedo ou tarde demais, Filipe Luís é o novo treinador do Flamengo. É uma jogada ousada, entre o arriscado e o genial, da gestão que toca o clube desde 2019.
Só não é uma jogada inovadora. Desde a saída repentina de Jorge Jesus no meio da pandemia em 2020, o Flamengo flerta entre a total ousadia e o populismo na escolha de seus treinadores. O desconhecido Domenèc deu lugar a Rogério Ceni, na época cravado como “melhor treinador brasileiro depois de Tite”. Renato Gaúcho deu vida ao sonho e cedeu espaço ao desconhecido Paulo Sousa.
O Flamengo nunca parou realmente de estar em ebulição mesmo nas vitórias, como a dramática saída de Dorival e o conturbado ano de 2023 mostraram. A chegada de Tite era a esperança de um futuro mais estável. O discurso sereno, a conhecida segurança defensiva de suas equipes e a promessa de renovação em momento crucial, com a saída de jogadores importantes, acenavam um futuro onde o Flamengo saberia para onde ir além de buscar o próximo treinador.
Tite acenava o futuro de um projeto esportivo que jamais se concretizou
O casamento entre Tite e a torcida jamais aconteceu. É possível colocar na balança as muitas lesões, o cansaço e a ausência de Pedro na reta final. Mas um elenco da envergadura dos atuais jogadores, com novos protagonistas como Luiz Araújo, Pulgar, De La Cruz e Everton Cebolinha, teve poucos jogos de pleno domínio e destaque no ano. A derrota por 3 a 0 para o Atlético-MG no ano passado foi um sinal de alerta que era preciso esperar mais.
Nem o melhor Campeonato Carioca da história e o G-4 do Brasileirão recompensavam a espera. Quando o nível de dificuldade aumentava, o Flamengo jogava mal, como o empate com o Millonarios, derrota para o Palestino e a vitória magra na Copa do Brasil sobre o Amazonas. Nem o 6 a 1 sobre o Vasco tirou a desconfiança.
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Tite, em Flamengo x Athletico-PR, pelo Brasileirão — Foto: André Durão/ge
O campo sempre deixou muito claro o motivo: um time com dificuldade de criação e fluidez de jogadas ofensivas. Muito dependente de Pedro ou de Luiz Araújo pelo lado direito. Sem Arrascaeta, que já não consegue mais uma sequência, e De La Cruz, a criatividade foi embora. Sem Pedro, os gols sumiram. A bola parada aérea passou a ser um problema e tirou o clube da Libertadores e de um confronto mais próximo pela liderança do Brasileirão.
A chegada de Filipe Luís é o remédio para a decepção. Inquestionavelmente ídolo e estudioso, ele sempre deixou claro que seria treinador do Flamengo em um dia. Seu conhecimento ímpar do jogo e a humildade de aceitar o desafio no sub-17 só tornava seu futuro ainda mais promissor. Não há quem não goste de Filipe, pelo que desfilava em campo e pela classe, elegência e promessa de bom futebol que se desenhava no futuro.
No fim das contas, não se trata de Filipe Luís ou de Tite. Se trata de um futuro que segue sem projeto ou norte, apenas trocando treinadores no sabor da derrota. E olha que Tite saiu após vitória, assim como Dorival – até nisso a Gávea redesenha.
A ausência de um projeto de clube além das meras vitórias sempre foi uma constante nos últimos anos do Flamengo. Se até 2022 ela cobrava um preço rapidamente remediado com uma troca de treinador e um título, o ano de 2023 deixou claro que o clube precisa ir além.
O primeiro ano sem títulos de expressão deixou escancarada a necessidade de uma revisão estrutural. Everton Ribeiro saiu, Arrascaeta convive com graves problemas físicos e Gabigol teve sua história no clube reescrita de modo inesperado. Não houve ninguém realmente capaz de assumir um protagonismo – Gerson faz excelente temporada como meia, e assim como todo o time, foi mal nos dois jogos contra o Peñarol. Diversos treinadores chegaram e deram errado. O time é muito diferente daquele de 2019 ou o de 2020.
A receita do clube é contratar, contratar, demitir e contratar. O dinheiro vem das conquistas cada vez mais escassas. É um caminho não exatamente sustentável. O Flamengo não perde por elenco ou por técnico – perde pela desunião entre setores, pela falta de um norte que nem na época de Jorge Jesus existiu.
Trazer alguém tão promissor no futuro para o presente só tem um destino: a glória ou o fiasco total. Se Filipe ganhar a Copa do Brasil ou o distante Brasileirão, a cartada será tida como genial. Como foi a aposta em Carpegiani ou em Carlinhos, ganhador de tantos títulos nos anos 1990. Se o Flamengo não conseguir uma melhora, a falta de experiência de Filipe será o primeiro fator levantado.
Com ou sem título, com Tite ou Filipe, o Flamengo segue carente de um projeto esportivo sólido. Se Tite jamais foi o “técnico dos sonhos”, a ideia que ele representava poderia permanecer viva no clube, com outros nomes, em outro contexto. Resta saber se será com Filipe Luís.
Fonte: Leonardo Miranda – Jornalista, formado em análise de desempenho pela CBF e especialista em tática e estudo do futebol