Na semana passada, Primeira Turma da Corte determinou prosseguimento parcial da ação contra bolsonarista no âmbito de trama golpista
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideram a ofensiva da Câmara para travar a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) como uma “preparação de terreno” para beneficiar outros parlamentares. Magistrados avaliam, no entanto, que o recurso apresentado na terça-feira pela Casa para que o plenário da Corte mantenha a suspensão do processo por tentativa de golpe de Estado contra Ramagem não tem chances de prosperar. A decisão da Câmara de paralisar o julgamento abriu margem para deputados que respondem a processos tentarem trilhar o mesmo caminho.
Após manifestação da Câmara pela suspensão da ação do golpe, a Primeira Turma do STF determinou, na semana passada, o prosseguimento do processo contra Ramagem quanto à acusação dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Isso porque teriam sido cometidos antes da diplomação do parlamentar e não poderiam, segundo a Constituição, ser alvo de deliberação pelo Congresso.
Por outro lado, em relação às imputações por deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, crimes que teriam ocorrido após a sua diplomação, em dezembro de 2022, houve a confirmação, pelo STF, da paralisação da ação.
Nova ofensiva
Com uma nova ação apresentada pela Câmara anteontem, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) pretende validar manifestação da Casa e suspender o processo por todas as imputações a Ramagem. Os magistrados já sinalizaram, contudo, que não irão ceder à ofensiva da Câmara.
Para especialistas, o precedente gerado pela Câmara pode criar uma espécie de tentativa de “salvo-conduto” parlamentar para casos como o de Josimar Maranhãozinho e Pastor Gil, ambos do PL do Maranhão, acusados de corrupção passiva e organizações criminosa por desvios de emendas.
Josimar e Pastor Gil eram deputados na época em que ocorreram os episódios pelos quais são acusados, o que daria margem para usarem o mesmo argumento para pedirem a suspensão de suas ações.
De acordo com a acusação apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em agosto do ano passado, os deputados, além do suplente Bosco Costa (PL-SE) solicitaram a um prefeito do interior do Maranhão, em 2020, “vantagem indevida” no valor de R$ 1,6 milhão, em troca da indicação de R$ 6,6 milhões em emendas.
Em outra frente, o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, afirmou à colunista do GLOBO Bela Megale que, se a denúncia contra o deputado Juscelino Filho (MA) for recebida, ele irá acionar a Câmara.
O PL, partido de Jair Bolsonaro, é uma das siglas que tem estimulado o União Brasil. O foco do partido é aumentar a pressão contra o STF com outros casos, como o da deputada Carla Zambelli (PL-SP), condenada por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela também é ré por ameaça com arma de fogo.
— Essa prática pode gerar controvérsias, uma vez que pode ser vista como uma forma de proteção excessiva que pode levar à impunidade. Há um debate sobre o equilíbrio entre a proteção das funções parlamentares e a necessidade de responsabilização por atos ilícitos — afirmou o advogado criminal e diretor do Justa, Cristiano Maronna.
Além de Ramagem, Câmara aprovou a suspensão, inclusive, da ação para outros réus, como Bolsonaro, o que também não foi permitido pelo STF.
Não são todos os parlamentares que pretendem pegar carona no momento. O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), denunciado por difamação, injúria e coação contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, acredita que usar o recurso, no seu caso, seria “esticar demais a corda”, o que poderia tensionar as relações entre os Poderes:
— Ainda não acionei o meu partido para isso, nem sequer envolvi o presidente da Câmara, Hugo Motta. Estou tentando um caminho de diálogo para chegar a um entendimento.
Especialistas avaliam que a Câmara extrapolou suas funções ao suspender a ação penal da trama golpista em relação a todos os réus, e não apenas a Ramagem . Eles consideram, no entanto, que há um debate sobre quais crimes podem ser alcançados pela decisão, já que é possível defender que toda a suposta ação criminosa se concretizou apenas nos atos golpistas do 8 de Janeiro, após a diplomação de Ramagem como deputado.
A Constituição determina que, caso uma denúncia contra um deputado ou senador “por crime ocorrido após a diplomação” seja recebida pelo STF, a respectiva Casa pode optar por “sustar o andamento da ação”.
Instrumento equivocado
Ministros avaliam que o recurso apresentado pela Câmara para que o plenário da Corte mantenha a suspensão do processo integral contra Ramagem não tem chances de prosperar. A Casa ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que somente pode ser apreciada pelo plenário e, geralmente, é usada para discutir questões amplas.
Para alguns ministros, esse é um “instrumento equivocado” para o caso. Uma ADPF não poderia ser usada, em nenhuma hipótese, para pedir a revisão de uma decisão tomada pela Turma.
Ontem, o ministro Flávio Dino rebateu as alegações de que a Corte teria desrespeitado a Câmara. Para ele, esse raciocínio não faz sentido.
— (O STF) se defrontou com esta ideia, de que a separação de Poderes impediria a Primeira Turma de se pronunciar sobre uma decisão da Câmara — afirmou Dino, durante a sessão: — Ora, se assim fosse, nós teríamos uma dissolução da República. Porque aí cada Poder e cada ente federado faz a sua bandeira, o seu hino, emite a sua moeda e aí, supostamente, se atende a separação dos Poderes.
Com o embate, líderes de partidos de centro na Câmara voltaram a debater a possibilidade de avanço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas no Supremo. A formação de uma comissão especial para discutir o tema é apoiado por Motta, mas ainda não há prazo para que o colegiado seja instalado.
Bolsonaro, por sua vez, afirmou ontem em entrevista ao UOL que a decisão da Câmara também deveria valer para ele.
— A ação penal é uma só, não tem só essa ou aquela. Que mande suspender a ação.
Por : Mariana Muniz, Daniel Gullino, Camila Turtelli, Victoria Abel e Gabriel Sabóia — oglobo.globo.com – Brasília
